ATA DA DÉCIMA QUARTA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLA­TIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 07.06.1990.

 


Aos sete dias do mês de junho do ano de mil novecentos e noventa reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Quarta Sessão Ordinária da Décima Legislatura, destinada a assinalar a passagem de um ano do Massacre dos Estudantes na Praça Tiananmen, na China. Às dezessete horas e vinte e um minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e solicitou aos Líderes de Bancadas que conduzissem ao Plenário as autoridades e personalida­des presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Jornalista Firmino Cardoso, representando a Associação Riograndense de Imprensa; Prof. Luiz Pilla Vares, Secretário Municipal da Cultura, representando o Sr. Prefeito Municipal; Sr. Paulo Jairo Froede, Consultor da Secção Brasileira da Anistia Internacional; e Ver. Gert Schinke, autor da proposição e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade e concedeu a palavra ao Ver. Gert Schinke que, em nome da Casa, registrou a passagem, no dia três do mês em curso, de um ano do Massacre da Praça Celestial, em Pequim. Enfatizou a luta dos estudantes, e do povo chinês, pelas causas da democracia e da liberdade, conclamando, ainda, aos jovens presentes a esta Sessão Solene a participar dos esforços pela construção de governos sociais-democratas. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Sr. Paulo Jairo Froede, Consultor da Secção Brasileira da Anistia Internacional, o qual destacou a grandeza dessa Entidade, falando de sua atuação em todo o mundo, inclusive no nosso País. Ressaltou as atividades desenvolvidas por aquele Movimeento, salientando a campanha de repúdio à repressão, pelo governo chinês, ano passado, de manifestações pró-democracia realizadas em Pequim. E o Sr. Álvaro Meneguzzi, representante da Central Única dos Trabalhadores, salientou a dupla significação deste ato solene, ao render tributo aos estudantes chineses pelo erguimento da bandeira liberal e pelo questionamento dos destinos políticos daquela Nação. Às dezessete horas e quarenta e quatro minutos, o Senhor Presidente convidou o Ver. Gert Schinke a assumir a Presidência dos trabalhos para, na condição de autor da proposição, coordenar o Debate a ser realizado após o término desta solenidade. E levantou os trabalhos, convidando as autoridades e demais presentes a participarem do referido debate e convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Valdir Fraga e secretariados pelo Ver. Gert Schinke, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Gert Schinke, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.       

 


O SR. PRESIDENTE: Estão abertos os trabalhos de presente Sessão Solene destinada a assinalar a passagem de um ano do Massacre dos Estudantes na Praça Tiananmen, na China.

A proposição foi requerida pelo Ver. Gert Schinke e aprovada pela unanimidade desta Casa.

Concedemos, de imediato, a palavra ao Ver. Gert Schinke, que falará em nome deste Legislativo.

 

O SR. GERT SCHINKE: Eu queria, em rápidas palavras, deixar aqui registradas, nesta singela manifestação político-cultural que desenvolveremos em seguida, algumas impressões e uma visão que temos sobre os acontecimentos daqueles dias, uma data que já transcorreu, que aconteceu nos dias 3 e 4 passados. Estamos nesta Sessão Solene para marcar a passagem do aniversário do massacre da Praça da Paz Celestial, quando as tropas do exército chinês, a serviço de uma burocracia parasitária, atacaram dezenas de milhares de estudantes e populares que estavam reunidos na praça da Paz Celestial para exigir liberdade e democracia. À luta pacífica dos estudantes a burocracia respondeu com tanques e baionetas; o massacre da noite de 3 para 4 de junho provocou mais de duas mil mortes e milhares de feridos entre a população civil, população que ousou desafiar os dogmas do Partido Único e lutar por democracia. Parece incrível que isso tenha acontecido num país que se chama socialista. Durante várias semanas o mundo inteiro acompanhou pela televisão a luta dos estudantes chineses. A Primavera de Pequim acendeu nos corações de milhões de pessoas ao redor do mundo a esperança da utopia socialista, mas, pelo menos temporariamente na China, esta esperança foi desfeita sob as lagartas dos tanques que os estudantes enfrentaram, cantando a Internacional Socialista. A Revolução Chinesa de 1949 despertou esperanças em centenas de milhões de trabalhadores de camponeses chineses que acreditavam estar começando uma aurora de liberdade e igualdade que acabaria com a miséria e opressão do regime dos mandarins; a libertação de ¼ da humanidade da opressão capitalista foi um fato de dimensão mundial. Quero lembrar que na época a China já contava com cerca de 700 milhões de habitantes. A Revolução Chinesa gerou expectativa em todos aqueles que lutavam pela liberdade e pelo socialismo em todo o mundo. Mas, menos de 10 anos após a vitória da Revolução, as expectativas de liberdade já começavam a se frustrar. Em 1957 intelectuais dissidentes são enviados para o campo para se corrigirem, entre aspas, das influências burguesas e do revisionismo. Esta prática se tornaria freqüente nos anos seguintes. O movimento pró-democracia é herdeiro de todos os movimentos que ao longo dos anos têm lutado por liberdade para o povo chinês e para a construção do socialismo, que é inseparável da democracia: um é condição do outro. O governo da burocracia tenta fazer calar a oposição através da repressão, mas mesmo as tentativas de impedir que estudantes de Pequim realizassem manifestações para marcar a passagem do 1° aniversário do massacre da Praça da Paz Celestial não impediriam que a luta pela democracia continuasse. A Primavera de Pequim se insere dentro da mesma onda antiburocrática que varreu os regimes burocráticos do leste europeu: o massacre da Praça da Paz Celestial apenas adiou a queda da burocracia chinesa. Será que isto é verdade? Mais adiante poderemos ver através das colocações do nosso ilustre Secretário, que está aqui convidado, e das demais pessoas, também, que vão usar a palavra sobre as expectativas que se colocam diante deste movimento tão importante para a humanidade, que se desenvolve hoje na China. O movimento semelhante ao que aconteceu na Praça da Paz Celestial foi a queda do muro de Berlim que eu pessoalmente conheci em 1972, numa viagem pela Europa. Foi uma cena inesquecível onde tudo aquilo que vários de vocês já viram, uns mais outros menos, pelas câmaras, pelas telinhas, pela televisão causa impressão realmente terrível quando visto de perto, ao vivo. A separação de um povo autoritariamente por um muro é uma coisa deplorável, é uma coisa que nenhum regime democrático deveria propor e fazer. De maneira que nós saudamos com toda a ênfase o que aconteceu feito pelos braços dos jovens de Berlim, da Alemanha Oriental, da Alemanha Ocidental que tiveram a ousadia de romper com esses dogmas que, afinal das contas, só levam à repressão e à falta de liberdade dos povos. Nós achamos que esses movimentos pró-democracia se inserem, dentro de um movimento maior de luta pelo socialismo democrático autogestionário que nós nos pregamos. E, para encerrar, pois não gostaria de me alongar mais para que a gente possa desenrolar aqui o nosso debate, apenas quero mostrar, aos companheiros, alguns recortes de jornais que viemos recolhendo e citar algumas manchetes que têm sido retratadas nas páginas da grande imprensa nos últimos dias, como este, por exemplo, na “Folha de São Paulo”: “Novos protestos estudantis em Pequim agravam o clima de tensão”. Portanto, um clima de tensão que foi e ainda está sendo vivido na China por causa da repressão que lá está instaurada. “Marcha lembra em Pequim o massacre de 1989”. Reportagens grandes como esta aqui e que ilustram algumas cenas que nós, depois, vamos ter condições de ver no vídeo que logo mais vamos apresentar. No jornal do dia 2: “Pequim só deixa amigo”. Fala de uma iniciativa que foi tomada pelo Partido Comunista para encher a Praça da Paz Celestial com atividades que pudessem evitar uma provável manifestação em lembrança ao massacre que ocorreu. E retrata da seguinte maneira: “Segunda-feira, dia 4, a Esplanada foi ocupada por mais de 2 mil veículos e motoristas convocados pelo Comitê Organizador dos Jogos Asiáticos de Pequim que assistiram a um curso sobre a Segurança no Trânsito”. “Ontem e hoje a Praça da Paz Celestial está entregue a milhares de crianças chinesas e estrangeiras por ocasião do Dia Internacional da Infância. É com os grupos organizados infantis que se dá o primeiro passo na China para o ingresso nos quadros do Partido Comunista.” Pois bem, são, entre outras atividades que já foram programadas lá e já aconteceram, evidentemente, especialmente no dia 4, que foi uma maneira de o governo tentar evitar alguma manifestação por parte dos estudantes que viesse lembrar aquele massacre por todos nós deplorado.

Assim, gostaria de encerrar, convidando os companheiros ao debate que me parece ser mais interessante e conclamando os jovens aqui presentes a se engajar neste movimento na busca do socialismo democrático autogestionário.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Nós registramos a presença do Ver. Ervino Besson e do Ver. Omar Ferri. Citamos o nome do Dr. Jair Krishke que esteve aqui há poucos instantes e que não pôde permanecer conosco nesta Sessão Solene.

Informando ao Plenário que vai fazer uso da palavra o Dr. Paulo Jairo Froede, Consultor da Secção Brasileira da Anistia Internacional; e depois o Profº Luiz Pilla Vares, Secretário Municipal da Cultura.

Após, nós encerramos a Sessão e assume a Presidência o Ver. Gert Schinke para um debate, conforme o desejo dos companheiros aqui presentes.

 

O SR. PAULO JAIRO FROEDE: Srs. Vereadores, amigos dos Direitos Humanos, represento neste ato a Anistia Internacional, maior movimento de direitos humanos do mundo, com mais de 800 mil membros espalhados por 150 países e territórios, inclusive o Brasil. Há 29 anos a Anistia vem atuando e mobilizando a opinião pública contra violações como aquelas que vem ocorrendo na China, desde o massacre da Praça da Paz Celestial.

Apesar de iluminados pontos de esperança, que vislumbramos hoje ao final do túnel dessa história dramática, a história dos direitos humanos estarrece-nos pelos testemunhos de barbárie, como os que nos vêm da China. São possivelmente mais de mil os mortos no massacre. As estatísticas mais tímidas apontam para mais de setecentas pessoas encarceradas por razões políticas desde junho de 1989.

Não há ideologia que possa justificar tais crimes. Diante disso, estamos em campanha permanente, junto aos cidadãos do mundo inteiro. São dezenas de milhares de cartas e telegramas de pessoas e organizações, que têm chegado às autoridades chinesas. Nos dias posteriores ao massacre, a Anistia conseguiu articular uma campanha internacional de protestos, via telefone, que criou um verdadeiro caos nas centrais telefônicas daquele país.

Autoridades de todos os países são pressionadas a impor restrições de toda a ordem em suas relações com a China, enquanto a mesma não respeitar os direitos mais elementares de seus cidadãos.

Do Brasil, um abaixo-assinado seguiu com milhares de assinaturas coletadas nas ruas e escolas para a Embaixada em Brasília e para a sede do Governo Chinês. A Anistia tem utilizado seu status consultivo junto à ONU para pressionar aquele organismo a que interceda com mais vigor na defesa do povo chinês.

Temos razões para crer que o processo repressivo teria sido ainda pior, não fossem essas articulações de eco internacional.

Não há ditadura que não tema em maior ou menor grau a opinião pública das demais nações, num mundo cada vez mais interdependente.

Trata-se de não arrefecer, de não deixar que as consciências esfriem, de continuar agindo.

A Anistia Internacional está convencida de que a simples indignação representa muito pouco.

Há um esgotamento no tão somente indignar-se. Mais do que isso, é necessária uma esperança dinâmica que nos leve à ação. Uma ação talvez singela, de pessoas comuns mas que somadas podem representar uma força imbatível pelas causas civilizatórias da humanidade.

Queremos colocar-nos à disposição de todos como um dos canais de atuação, não somente no caso da China, mas de toda uma infeliz gama de países que ainda violam os direitos mais elementares. Não podemos esquecer que também fazemos parte disso, ou ingressarmos de fato numa nova era de solidariedade, ou sucumbiremos todos à barbárie. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Sr. Luiz Pilla Vares, Secretário Municipal da Cultura, que representa o Sr. Prefeito Municipal Olívio Dutra.

 

O SR. LUIZ PILLA VARES: (Menciona os componentes da Mesa.) Companheiro Gert Schinke, Vereadores presentes, meus amigos e minhas amigas, eu acho da mais alta significação, o fato da Câmara de Vereadores da nossa Cidade assinalar a passagem das manifestações estudantis na China, no ano passado. Esse aniversário tem uma relevância que transcende as fronteiras da China e serve de lição a todos os que pensam e que lutam pela igualdade, pela liberdade no mundo inteiro.

Não se trata, pois, de um fenômeno exclusivamente chinês, é um fenômeno planetário. E essa decisão dos Vereadores da nossa Cidade, através da iniciativa do companheiro Gert Schinke, revela a tradição política da nossa Cidade. A elevada tradição política da nossa Cidade, ao encarar os fenômenos do seu tempo, os fenômenos da nossa época, aqueles que significam uma mudança no modo de pensar, uma mudança no modo de agir, uma mudança do comportamento.

Então, eu acredito, estou firmemente convencido de que os acontecimentos na China, e isso nós aprofundaremos mais tarde no nosso encontro de hoje. Os acontecimentos na China marcam, decisivamente o nosso tempo, e deles precisamos extrair as conclusões fundamentais, que não se esgotem puramente numa atitude reflexiva, mas que tenham conseqüência na nossa própria prática política e cotidiana.

Porque política, companheiros e companheiras, não é apenas o ato praticado dentro da institucionalidade, política é o nosso cotidiano, política é o nosso fazer permanente diante da sociedade. A nossa vida é fundamentalmente uma opção política. A nossa vida, no mais elementar dos seus atos, é uma atitude política permanente e permanentemente renovada e, neste sentido, os grandes acontecimentos mundiais refletem todo um acumular da tradição política que vivenciamos no nosso cotidiano. Por isso esse ato tem uma dupla significação que é, me parece, em primeiro lugar, render um justo tributo aqueles bravos estudantes de Pequim que ousaram a custa de suas próprias vidas erguer a bandeira da liberdade. Em segundo lugar, discutirmos sobre o nosso próprio destino, como seres políticos, dentro de nossa realidade, realidade esta que é permanentemente ameaçada, onde a democracia está permanentemente questionada e onde, com sutilezas, se procura deslegitimizar o processo democrático, tão dolorosamente conquistado neste País. Saúdo, portanto a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, o Poder Legislativo de minha Cidade e ao companheiro Gert Schinke pela iniciativa em lembrar o massacre da Praça da Paz Celestial que passa a se inscrever naqueles grandes momentos da história universal, naqueles momentos de relevância em que a História dá um salto para a frente. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Os companheiros estão liberados, e convido o Ver. Gert Schinke para assumir a Presidência do debate que se segue, agradecendo a presença de todos nesta Casa.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h44min.)

 

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